Friday, May 25, 2007

Apetites

Declinar apetites... é tarefa desgastante...
O primeiro esforço hercúleo é reconhecê-los,
Depois.. descrevê-los...
Mapeados, os dispomos em cartografias..
Cartas-mapas que vamos consultando ao longo de todos os tempos...
_”O que queres?" Lhes indagamos.
_“Para que o queres?”

Conversando... nós e eles...vamos nos discriminando...
Alguns apetites são gulosos..outros... anoréticos... alguns são tristes..outros esfusiantes...
Tem apetites para todos os gostos.

Alguns são como uma feira colorida e barulhenta..um mercado de pulgas..
Outros, são como velórios..cheios de cheiros e palavras sussurradas.

Cada pessoa deve descobrir os seus,
A bem... de confeccionar sua maparia...
Como nos cadernos da escola primária... cheios de colagens, palavras chaves, fotos dos bons e dos maus momentos, músicas, cheiros, declarações de amor e de desafetos, enfim... cheios de pessoalidades...
Nosso livro de culinária psíquica e física é absolutamente único.

Thursday, May 24, 2007

Cor(à)mão

Espalmo a mão
Uma palheta de cores
Num gole os comprimidinhos se espalham e descem o tobogã escuro,
Turbinados pela água, em cambalhotas, se disputam em vaidades.
Quem acalma mais
Quem não me treme tanto a mão
Quem resseca menos minha boca
Quem faz cair menos o cabelo
Pisco de canto ao espelho
Pincelo a confiança em aquarelar toda a existência.

As ruelas de Lorência

Como uma luva recém descalça e ainda quente,
Minha terra movimenta-se em relevos acidentados.
Tua música se entoa nos muros, pelas frestas das pedras, nas calçadas sem centro.
Em toda a manhã, o mel dos ombros.
São ritmos aveludados e antigos, conversas que ficaram por ali enquanto passeavam.

Friday, May 04, 2007

O Zelador é demitido

Demito o zelador, o cobrador, o controlador

Vão me processar?

Indenizar, isso sim!

Vou me divertir, e muito!

Anos e anos de intimidação...

“Isso não fica bem...

Poderia ter feito melhor...

Vai arriscar?

Veja bem onde isso vai dar...”

Contração e encolhimento.

O impostor de carteira assinada, contrato de letra miúda e fundo de garantia!

Vão todos pro saco!

Vou viver sem consultoria,

Sem jurisdição, sem juiz, nem promotor...

Sem a minha acusação!

Vou fazer de improviso

Em completa inovação!

Brisa fresca

Brisa fresca

A brisa friazinha entra de gole no quarto.
Lambe as paredes.
Movimenta suavemente os panos e papéis, remexe os pensamentos.
Faz uma onda, que nem lençol no ar.
Borbulha a poeira e põem tudo em pele eriçada de pêssego...
Ainda de olho fechado acarinho as idéias por entre os dedos e cabelos,
Passo a mão em veludo e vou amanhando a espera do dia.
O povo das presenças mentais é uma turma indisciplinadíssima.
Transbordam da cachola e vazam pela cama, escorrem pelo chão, algumas até se marolam pelas paredes, as mais impacientes se grudam no teto feito bolhas...
Saem cada mandação para um lado, como se espreitassem que o corpinho se multiplicasse servilmente às suas ordens.
Olho divertidamente para as afoitas...
Querem passear?
À vontade...
Vou só virar de lado.
Espreguiçar o corpo ainda manhoso, sentir as dobras das cobertas, alisar os lençóis com as pernas...e sentir o ar borbulhando.
Quanto a vocês?
O de sempre...
Arejem-se, conversem entre si, façam amizade, ou se disputem se quiserem.
Vamos ver que bolhas resistem à força da gravidade de serem verdades.

Tuesday, May 01, 2007

Olhos no fogo

Concentro os olhos no fogo.
Nenhum atropelo.
Respiro uma respiração por vez.
Brinco com o ar, de elevador, com carinho, em baixa rotação.
Inspiro largo e farto, a barriga infla e sobe...
Expiro longo, esvaziando o balão até chegar ao vale e o elevador escorrega gracioso.
Olho e ouço o fogo.
Ele se lambe, se contorce, se abraça, se avoluma e se consome. Crepita, geme, secreta, se pinga e sussurra.
Assim como eu, engole suas labaredas, dobra-se sobre si,
Tomo eu conta de mim.
O tambor do meu coração bate. Late!
Essa irrupção, esse balé que em movimento se chamusca, prolifera e exaure, são como o incêndio que me habita e alimenta.
O crepitar das palavras, idéias e sensações, entremeiam-se, encostam-se em seus contrários
e já não se opõem.
Compõem.
Harmonizam-se simultaneamente, em nada se anulam.
Resultam num tecido em rede, onde cada ponto é partida e sustento de outro.
Essa malha de fagulhas forjadas no fogo, tem a resistência da existência.
Abraça meu corpo, que nesse aconchego se acolhe e volta a encher-se de possibilidades.
Tudo já é possível... tudo cabe e já vai passar...
Aproveito então.
Me reconforto e comemoro as chegadas e partidas de cada respiração, com seus elevadores incandescentes de carinhos.

Descalço as mãos

Descalço as mãos dos anéis para melhor te receber e acompanhar.
Meus dedos deslizam tuas peles afora...
Para longe dos vincos e arranhões, rastreio uma cartografia inusitada de amante.

Adentro tuas não cicatrizes,
Arrisco não levantar tuas memórias,
Insisto na criação de um novo repertório.
Te assombras com tua respiração,
Te surpreendes a cada inovação.

Meu carinho é despido de todo traje passeio,
Meu amor veste peles descalças,
Te recebe num cotidiano simples de bocejo e aconchego!
É um espreguiçar-se em teu corpo,
Celebrando cada gesto e trecho.

Meu amor não é de domingo,
Nem de recreio,
É de pijama amanhecido,
Fundo de quintal e dia cheio!