Tuesday, January 23, 2007

Chega de versinhos redondinhos...

Então, está bem - de versinhos você não gosta?...
Droga de riminhas que perseguem meu cérebro! Sempre me cobrando concordâncias, ritmos e simetrias!
Nunca fui assim mesmo... nem entendi como é que me habitaram assim.
Amanheci cuspindo letrinhas redondinhas como... bom, deixa pra lá, que eu sou toda rendonda mesmo.
Só o jeito como piso no piso é que não! É reto e duro. Retumba. Nem é bonito, nem sensual nem coisa nenhuma... mas é forte! Com ele já fui tão longe...
E agora tem esta, aprender a ser suave sem redondos.
Dizem que sou. Acredito, porque... depois que piso forte, me sobe uma pista em curvas! Sinuosas! Abertas! De perigo e tudo, eu sei. Vai daí que eu devia caminhar - pelas ruas, esteiras, passeios... Cansei de caminhar pras curvas ficarem fechadas, ousadas! É pista em curvas abertas e, por enquanto, com pouca aderência, tipo lisas e escorregadias. Mais dez anos ou vinte - ou menos, muito menos - vão ficar tipo canyon, profundas e rugosas.
Vamos transformando nossas geografias em arqueologias, e hora dessas amanheço em prosa 'fossilizada'. Vamos todos nos fossilizando em canyons verticais, sulcados e rugosos. Com sorte, cobertos de relvas miúdas e aveludadas, que cheiram a novidades esmagadas pelos pisares de nossas almas irreverentemente joviais e brejeiras!
É, sim!
Não vou renunciar ao alegre, gaiato, virando latas.
Velhice, tudo bem - rugas, sulcos, aderências, ok! Mas pesares, ressentimentos e gravidades? Ah, não, não e não! Ponto final.

Suavidade, vou atrás de ti! Feito o demônio da Tasmânia, hei de te encontrar! Quando te achar, vou me amalgamar em ti, acomodar minha cabeça e mãos na tua seda e vou beber o teu cheiro. Tua voz, suponho, será clara: nem alta, nem baixa. Boa.
Como tudo o que é bom na vida.
Boa.
Frase de palavra em solitário.

Christiane Ganzo
Sem lua.
Primeiro sábado de um julho muito irreverentemente veranil.

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Ausência

Na materialidade de tua ausência, me intoxico de lembranças.
Paralisada pela intensidade de minha cabeça, respiro com dificuldade.
Sobra sempre um ar viscoso e denso de recordações.
Cada imagem drena minha energia, e já não estou mais aqui nem à disposição.
Minha inclinação ao mundo é um pêndulo colado à parede de um dentro cujo interesse já não me faz bem.

Christiane Ganzo
A ausência de algo é capaz de providenciar sua presença de modo tão ou mais intenso.
Inverno de 2006, a bordo de mim, num porto alegre.

As moças e as fitas

As moças não resistem à dança das fitas.

Basta um pau qualquer se aproximar,
lá se vão as mocinhas
cobri-lo de fitinhas...

Enrola daqui...
Aperta acolá...
Transforma aqui...
Cobre dali...

Todo... todo... bem tapado,
acaba mesmo engessado.

Por mais torto que antes fosse,
era um pau e tinha dono.
Travestido pelas fitas
- me pergunto: qual seu nome?

Christiane Ganzo
29 de outubro de 2003

Wednesday, January 17, 2007

A árvore das garças


Você já escutou a água do lago?
E os pássaros?
Já viu como tem uma árvore onde moram as garças?
Estão lá faz quarenta anos.
Um ano seguido do outro, vão na alma desenhando arcos.
Não?


Christiane Ganzo
20 de março de 2003.

Cinco e dez de lua

Não passaram vinte minutos
E a natureza outra se encarregou dela
Ela que me dominava, que travou repentismo comigo
E que se perdeu
Ficou escondida pela densa nuvem que protegerá o meu sono.
Já não podia me suportar mais a escrever e render tributos
A essa exibida lua de não ir-se embora!
Veio, então, a nuvem a me auxiliar
Para que em horas nos reencontremos com vida
Já que eu estava cansada.

Christiane Ganzo

Soninho

Minha alma se esparrama pela casa
À procura de um poema
Que encaixe em meu corpo
E me faça adormecer de novo

Christiane Ganzo
13 de outubro de 2003.

Massa de afetos

Nessa massa de afetos, procura-se o ponto da palavra.
Fogo médio.
Seqüência e ritmo.
Ponto de fio de ovos produz-se num quase queimar a mão, pelando...
A fala jorra com vida própria, feita de alívio!
Quando a pressão fica demais, a palavra comprime-se e não se exprime -
comprimida pela falta de ar leve.
Se mais, só carne viva, palavra morta.
Sobra o denso e silencioso ar da crítica.

Christiane Ganzo
14 de janeiro de 2006.

Centro de fogo

O centro de minha alma é fogo,
um fogo de cuidado e resguardo,
não um fogaréu de afobação,
nada de destruição.
És o cerne da sala!
Chama definida, iluminas e aqueces.
Curioso cuidado, permaneces em silêncio, a tantas vozes...
Ambientas o ar, aromatizando-o de um adocicado e queimado perfume.
Acomodas as pessoas à volta,
ofereces conforto.
Busquei, em muitas partes.
Te reconheci como fogo.

Christiane Ganzo
12 de janeiro de 2006.

A lua banha sala adentro

A lua banha-se na sala
Sem bater à porta
Não pede licença
Adentra as vidraças
Sabe-se bem-vinda

Escorre pela escada
Molha os quartos e os corpos
E prateia os sonhos dos sonos

Vou dormir de caneta em punho e luz acesa
A luz duela com a lua
Não a deixando entrar
Dormindo eu meu sono

A caneta
Para se acaso a lua brilhar
Que eu receba seus poemas

Christiane Ganzo
13 de outubro de 2003.

Brasa


Dobro-me sobre mim em brasa
e sopro um suspiro sem fim...
Hora dessas cede, e em breve alívio me respira um inspiro de realidade material.
Acomoda-se dentro em mim,
fazendo lugar, empurrando toda a mobília pesada que insiste em repetir seu longo
repertório de pura memória!

Christiane Ganzo
Domingo, depois de muitas horas, 04 de junho de 2006.
imagem www.sorbygarden.se

Alma silenciosa

Minha alma silenciosa de palavra escrita,
tem me feito falta suas vozes murmuradas.
Histórias novas movimentam-se nos corpos que passeiam e se encontram na figueira.
Um burburinho que outrora se anunciava.
Os dias transbordam.
Muito branco, evento quente, água fresca que jorra.
Um verão inicia.

Christiane Ganzo.

Sábado, 04 dezembro de 2004, dia de muito trabalho e felicidade.

O noivo da lua

A lua tem um noivo,
o Uivo.
De tão feio,
o pobrezinho sempre está sozinho.
E ela... lá de longe, só consegue mesmo é olhar.

Ele me dá medo;
ela, aconchego.
Deve ser por isso que não conseguem se encontrar.
Ele vem de dentro e sempre torna a se calar.
Ela é um manto sempre a me tapar.

Christiane Ganzo
Janeiro, 04/2004
Imagem: www.palavrasdanoite.blogs.sapo.pt

Tsunami


Ei, mundo!
Te queria mais à direita!
Não, não, foi demais... cadinho pra esquerda.
Agora passou de novo...
Mas que raio de instalação é essa na minha cabeça?
Não confere nunca com a realidade!
Tô sempre montada numa tsunami...
Num upa,e já subi.
Lá em cima? Espetáculo!
(Mas é tão alto e tão só...)
Instalação endiabrada essa...
A cabeça é uma produtora independente.
Caríssima.
Custos altos e precisos.
Descer?
Que medo!
Se na subida a gente é sugada feito refri em canudinho pelas idéias, na descida, a coisa fica tipo mosca tentando desgrudar de papel melado!
Uma trabalheira só!
A paisagem de lá se fixa de tal modo, e é tanto o volume d'água...
A prancha, pra descida?
Só se for uma long-longboard do desejo de estar na vida como ela é.
Difícil é saber como ela é.
Parece que é.
Sinto que é.
Ajuda saber que as praias aqui embaixo são lindas!...




Christiane Ganzo
Descendo a 24 de outubro cheia de sol e vento, numa segunda-feira e, depois de horas e dias queimando o lombo numa tsu paid'égua, subitamente, vejo os pelinhos do rosto de Alicia contra a luz e agarro-me à long mais precisa de minha vida:
Meus filhos!
Maio/junho de 2006. Porto Alegre! imagem:mattatoia.clarence.com